Não era bem uma música. O som alegre que se formava no meu sopro parecia responder às dúvidas angustiadas das teclas e tubos do orgão. A partitura terminou sem interrompermos a performance - não precisávamos mais das linhas escritas, tudo saía naturalmente.
Um bom tempo passou assim, não sei quanto. Conforme tocávamos, a harmonia ia se tornando cada vez mais alegre. Em dado momento chegamos a algo que parecia ser o fim. Ficamos ainda alguns instantes parados, sob feitiço das últimas notas. Silenciosamente ela cobre as teclas do piano, enquanto eu desmonto e limpo a flauta.
Finalmente olha para mim, sorrindo. Por um momento fico sem saber o que fazer... deveria falar alguma coisa, né? Parece lembrar de alguma coisa, pega um caderninho que estava no seu colo, uma caneta e escreve algumas palavras em boa caligrafia e me mostra.
Então entendi: era muda. Fiz que não e expliquei o ocorrido do mural de cortiça. Ela tornou a rabiscar no caderninho.
Nossa comunicação se deu de forma bem lenta, mas de forma alguma desinteressante. Descobri que muitas das assinaturas que constavam nas músicas do mural eram pseudônimos das mesmas pessoas, inclusive a pianista muda, acabando por se tornar uma espécie de "conversa musical" ou algo assim.
Tocamos ainda algumas palavras - apesar dela não ser muito comunicativa. Saí do auditório com a estranha sensação de ter falado mais com a flauta que com a língua.
Fui ao mural, ansioso por encontrar algo mais sobre minhas recentes descobertas, e chego no exato momento em que uma amiga - a mesma que mostrou o tal dueto dias atrás - pregava um papel. Ao me ver, abaixa a cabeça, como que envergonhada.
- O dueto... era seu, né?
Não precisou responder. Terminou de ajeitar o papel e foi embora, calada. Olhei tudo aquilo pendurado na parede e, por um momento, senti inveja. Pessoas que se comunicavam apenas por sons, quando eu mutas vezes mal me viro com palavras...
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