Todo prédio velho que se preze tem alguns corredores isolados que abrigam mais histórias que tijolos. Desde que entrei na faculdade, há um pequeno mural de cortiça, num desses recantos, onde um ou outro expõe suas músicas - letras ou partituras.
Nunca dei muita importância. As poucas vezes que parei para lê-las achei uma porcaria ou mera repetição. Eram em sua maioria assinados: nenhum nome conhecido.
Acontece que certa vez, passando pelo lugar, vi uma amiga olhando atenciosamente uma folha de papel onde alguém rabiscou um dueto. Ela é do tipo "crítica construtiva" de gosto confiável, então parei ao lado dela e perguntei o que ela tinha achado ali.
- Tava só dando uma olhada... essa partitura aqui, que acha dela?
Olhei as notas e comecei a tocá-las mentalmente. Errei os intervalos - algo bem raro, modéstia à parte. Reiniciei a leitura e nenhum avanço, afinal saquei a flauta e soprei alguns compassos da primeira voz.
- Bem estranha - Eu disse - Nem boa nem ruim, estranha. - Tenta a segunda voz.
Fiz. Também sem muito êxito. Já ouvi muitas melodias sem rumo, mas aquela passava um pouco do limite.
- E aí, o que achou? - Sei lá... Tem prova amanhã? - Não, só semana que vem.
E foi embora. Tinha aula dentro de cinco minutos, logo não me demorei muito ali. Uns dois dias depois, numa dessas tardes que Tom e eu passamos à toa em praças da vida, olhando os pombos, tirei distraído a flauta da mochila e comecei a tocar. Depois do terceiro chorinho, me descubro tocando a ilógica melodia que li no mural. Acabo a primeira, parto pra segunda, com uma séria sensação de insatisfação.
- Bacana o som - Era Tom - Mesmo? Achei bem estranha. - Então por que toca?
Ele tem essa capacidade: fazer as perguntas mais óbvias para as quais eu nunca tenho resposta, sempre como quem não quer nada. Fico me perguntando se faz sem querer ou não...
- Talvez por isso mesmo. - Por ser estranha? - É. - Que estranho...
Continua...
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enviado por César as 18:45

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