Último vagão do Metrô, rumo à Pavuna - 14:37, numa terça-feira.
Não havia livros para ler, músicas para ouvir ou coisas a fazer. Comecei a observar os outros passageiros, todos envoltos pelo mesmo tédio. Corri os olhos por um senhor de meia idade, dono de um bigode aparado assimetricamente, que luta contra o peso das pálpebras; cheguei a um estudante de escola pública que batuca um não-ritmo na janela. Acabo me deparando com alguém que o Tom chamaria de "bela ragazza": cabelos ligeiramente cacheados, óculos de aro fino, nariz delicado e uma bela saia.
Por um divino acaso, eu usava óculos escuros, logo pude continuar a observar seus movimentos sem incomodar - desviar a atenção dela era um esforço que não me sentia disposto a fazer. Os gestos eram graciosos e sem afetação; anotava alguma coisa numa agenda preta e parecia bem distraída.
Após duas estações, entra um sujeito furtivo, carregando um embrulho suspeito. Provavelmente fui o único que o considerou suspeito, pois os demais permaneceram estáticos mesmo quando algo no interior do embrulho começou a piar num tom meloso, como se disesse "bela saia, ragazza!"
Por algum motivo, isso me faz lembrar a menina da agenda. Era impossível adivinhar em qual estação ela sairia dali e se misturaria com a multidão. Sabia que nunca mais a veria e isso me incomodava. Precisava fazer algo diferente, mesmo que bobo.
Que faria Tom? Nada muito elegante ou poético, mas certamente eficiente... bah, deixo os métodos do Tom pra lá e tento seguir meus instintos: saco papel e caneta, rabisco na hora um poema que tinha de cor - "A uma passante" do Baudelaire - me aproximo confiante da beldade e estendo o papel a ela.
continua...
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enviado por César as 20:14

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